04/07/2017

...

A Cacá tem acompanhado alguns ensaios, como provocadora da pesquisa, e ela tem um jeito muito especial de ser, uns amigos nossos até inventaram uma medida de tempo pra ela: 1 cacá, 2 cacás, 3 cacás... penso que é porque no olhar dela cabem muitas coisas, e com os olhos cheios o tempo é outro mesmo, inevitavelmente. E eu sou imensamente grata por ter esse olhar sobre o meu trabalho, pois é sincero, preciso e propulsor. Vou deixar aqui dois trechos de um texto do Paul Auster que ela trouxe no começo dos nossos encontros, coisa rica, tudo a ver:


Permaneço no quarto em que estou escrevendo estas palavras. Ponho um pé na frente do outro. Ponho uma palavra na frente da outra, e para cada passo que dou acrescento outra palavra, como se para cada palavra a ser dita aqui houvesse outro espaço por atravessar, uma distância que meu corpo devesse preencher no que se move por este espaço. É uma jornada através do espaço, mesmo que eu não vá a lugar algum, mesmo que termine no mesmo lugar onde parti. É uma jornada através do espaço, como que entrando e saindo de várias cidades, como que cruzando desertos, como que até a borda de algum oceano imaginário, onde cada idéia se afogue nas implacáveis ondas do real.

No começo, queria falar de meus braços e pernas, de saltitar, de corpos trombando e girando, gigantes jornadas através do espaço, de cidades, de desertos, de cadeias de montanhas que se estendem até além de onde a vista alcança. Mas pouco a pouco, na medida em que essas palavras começaram a se impor a mim, as coisas que quis fazer acabaram parecendo desimportantes. Relutante, abandonei todas as minhas histórias espirituosas, todas as minhas aventuras de lugares distantes, e comecei, lenta e dolorosamente, a esvaziar a mente. Agora só resta o vazio: um espaço, por mais que pequeno, em que tudo que está acontecendo pode ter o direito de acontecer. 


( ESPAÇOS EM BRANCO, Paul Auster )